sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sou bandido, com muito orgulho.


Mesmo tendo perdido a inocência faz um século ou mais, não consigo conter meu espanto com o fato de que "bandidos" se orgulhem publicamente de sua delinquência, ainda por cima no plenário da que era antanho chamada de "augusta corte".

Explico: a moda do caso mensalão é os advogados confessarem que seus clientes praticaram o disseminado esporte do caixa 2. Dinheiro "ilícito", chegou a dizer um deles.

Meu espanto não vem precisamente desse fato, porque não é novidade. O grande e indiscutido líder do partido que maior número de réus forneceu ao caso, Luiz Inácio Lula da Silva, já havia dito, logo que o escândalo estourou, que seu partido fizera o que todo o mundo fazia, o tal caixa 2.

O que me espanta é a banalização desse crime. Não é trivial, ao contrário do que pretendem fazer crer os réus e seus advogados. Caixa 2 "é coisa de bandido", já decretou, faz tempo, o "deus" dos advogados, Márcio Thomaz Bastos, quando usava a veste de chefe da Polícia Federal, como ministro da Justiça, e não a toga com a qual se apresenta no STF, agora como advogado defensor de um dos envolvidos no caso dos "bandidos".

Caixa 2, além de coisa de bandidos, implica necessariamente sonegação fiscal. Sonegação fiscal é crime grave em qualquer circunstância, mas muito mais ainda quando praticada por funcionários públicos, como o são ou foram os réus, na sua grande maioria.

Se o Brasil fosse sério, seria ridículo debater se houve ou não uso de dinheiro público no caso. Houve -- e confessado. Quando funcionários públicos praticam sonegação, estão desviando dinheiro público que poderia ser usado para um hospital, uma escola, uma ponte, o diabo, em vez de adubar contas particulares.

Da mesma forma, seria ridículo, se o Brasil fosse sério, discutir se houve ou não um mensalão. Afinal, está confessada por alguns dos réus a compra de parlamentares. Se em suaves prestações mensais ou não, a forma é o que menos importa. Importa a compra, igualmente confessada. Os acusados alegam é que o dinheiro não foi para comprar votos, mas para pagar dívidas de campanha. Não importa o destino final do dinheiro, até porque ele não vem carimbado com uma fitinha dizendo "este suborno destina-se exclusivamente a pagar dívidas de campanha".

A confissão acaba sendo pior do que a acusação: comprou-se não um dado voto, mas o parlamentar inteiro, o que é infinitamente mais grave.

Repito: não se trata de denúncia da oposição, do procurador-geral da República, da mídia dita "golpista", mas de afirmações de ilustres membros do esquemão.

Confessam orgulhosamente a pratica de bandidagem, para usar a palavra do mais ilustre dos advogados envolvidos no caso, na expectativa de, ao confessarem um crime supostamente menor e supostamente prescrito, se livrarem de penas maiores.

Ou, posto de outra forma: aceitam ser chamados de "bandidos", mas não querem ser "quadrilheiros".

Vê-se que, no Brasil, Al Capone não iria preso porque o único crime pelo qual foi apanhado --sonegação fiscal-- por aqui não dá cadeia, dá orgulho.

Clóvis Rossi
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.

Nenhum comentário:

Postar um comentário