sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Bloco do Beco comemora quatro décadas de folia em desfile hoje pelo Calçadão


08 de Fevereiro de 2013 - 07:00


Por MARISA LOURES

"O lugar mais idiota do mundo é uma lanchonete." Foi com essa frase, dita depois de alguns goles a mais e uns pasteizinhos de camarão - combinação que, se falasse, teria inúmeras histórias para contar - que Inácio Cunha, um dos fundadores do Bloco do Beco, tentou justificar o apego do grupo de amigos pelos populares botecos. "Essa máxima era de um companheiro nosso já falecido. Você só consegue compor um poema, um samba ou uma trova no botequim. Nunca tomando suco de laranja e comendo hot dog", brinca Cunha, comemorando o aniversário de quatro décadas da agremiação, que hoje desce o Calçadão da Halfeld levantando a bandeira de que "A vida começa aos 40"- samba-enredo de Ricardo Barroso. A concentração está marcada para as 18h, no Parque Halfeld.
Na última quarta-feira, ao fazer contato com o carnavalesco do grupo para marcar o encontro que resultaria na foto que ilustra esta página, a resposta ouvida pela reportagem da Tribuna não podia ser outra: "Vamos nos reunir hoje à noite num bar que fica no São Mateus. Te esperamos lá", disse o carnavalesco Renato Saleme, o Ligeirinho. Ao chegar ao local, os anos parecem não ter passado, a não ser pela ausência de vários integrantes que já se foram. O pique era de quem está no auge dos 20 anos. O ponto de encontro não era exatamente o bar da Galeria Phintias Guimarães, no início dos anos 1970, mas qualquer um garantiria que a cena era a mesma. Rodeando mesas e entoando velhas canções estavam alguns foliões, trajados rigorosamente a caráter, exercendo o ofício da boemia noturna. "Nosso ideal é venerar a cultura popular brasileira. Mantemos o mesmo espírito carnavalesco do início", diz Cunha.
Nada de ensaios e muito menos regras a serem seguidas. O segredo dessa festa é a diversão. "O dia em que o Beco se organizar, ele fecha. O gostoso é a bagunça. Lá na rua, na hora de sair, as coisas acabam se ajeitando. Adotamos a seguinte frase do Mamão (Armando Aguiar): 'Tudo que se faz com amor dá certo'. É por isso que chegamos aqui", comenta o fundador. De todos os momentos que marcaram a trupe quarentona, Cunha lembra com saudades da época em que, driblando a censura, foram para as ruas do Centro gritar aos quatros cantos que "nesse carnaval eu quero mostrar que ainda sou feliz. Vou cantar para esquecer quem não me quis... Quem semeia vento só pode colher tempestade" - trecho da música "Quatro estações", composta por Mamão. "Foi assim que a gente viveu estes anos todos", completa Cunha. "Embora tenhamos perdido muita gente, o mais importante é a felicidade, é a união", afirma Nancy de Carvalho, também responsável pela criação do Beco.
Segundo a diretora social da agremiação, Eveline Toledo, além do compromisso com a alegria, o que torna o bloco único e o faz chegar aos 40 anos como uma das agremiações mais queridas do público juiz-forano é o fato de ele estar à frente do seu tempo. "Quando ninguém falava em diversidade, assunto hoje comum, o Mamão já tinha feito uma composição dizendo que 'Nesta avenida seremos todos iguais'. Este é o nosso lema. Quem quiser ficar alegre, nem que seja só nesta sexta-feira, vem com a gente."
Figura certa em todos os carnavais, Mamão não garante presença na folia de hoje por estar com problemas de saúde, mas assegura que está acompanhando tudo de longe e satisfeito por poder comemorar uma data tão especial. "Estou muito feliz. Nenhuma agremiação conseguiu desfilar por 40 anos ininterruptamente. Tenho certeza de que a nova diretoria vai levar o bloco por mais quatro décadas. Vou fazer o possível para prestigiar meus amigos. Estou mais dentro do que nunca", garante o compositor.
Para júbilo do eterno presidente, se depender de Renata Saleme, filha de Ligeirinho, o Bloco do Beco, com certeza, estará em 2053 fazendo parte do ziriguidum juiz-forano. Nascida e criada no meio carnavalesco, Renata integra a ala caloura da equipe de pândegos. Querendo garantir a continuidade da farra, ela levará para o Calçadão a sua pequena Alice, de apenas 3 meses. "Conforme os filhos vão nascendo, vão se agregando ao grupo. Fui embalada no meio do samba, e a Alice não tem como fugir disso." Quanto a Inácio Cunha, que conta com 73 anos, ele só roga por uma ajuda da ciência. "Se inventassem um equipamento que me faça chegar aos 113, estou pronto."

De acordo com Cunha, o grupo surgiu ligado a um movimento intelectual da década de 1970, que se organizava em torno da resistência à Ditadura Militar. De bar em bar, em meio às discussões de política e cultura, Mamão e mais dois amigos compuseram a canção - "Beco do Baltazar" - que dois anos depois daria nome ao Bloco do Beco. A composição foi vencedora do Festival de MPB da cidade de Volta Redonda (RJ). "Inicialmente saíamos sem um nome. Mas a gente passava na rua e todo mundo gritava: 'olha, lá vai a turma do Beco'. Foi uma comoção popular", conta.
Comprometido com o que está acontecendo ao redor, durante as 40 folias realizadas, o grupo sempre criou sátiras polêmicas e divertidas, sem esquecer de exaltar grandes personagens da cena brasileira. "Quem empresta a Minas dá... adeus", samba-enredo composto na época em que o então governador do estado, Itamar Franco, decretou a moratória; "A Zélia tá de Chico", criado quando a esposa de Chico Anísio era a ex-ministra da Fazenda; e "Os sete samurais", fazendo uma referência aos prefeitos que já administraram Juiz de Fora, estão na lista dos sambas ácidos. Já entre as homenagens, os componentes do "Beco" destacam "Agora é Mamão", "100 anos de Ary Barroso" e "Um beijo no seu coração"- reverência ao palhaço Carequinha. Em 2012, a agremiação demonstrou toda sua admiração pelo chargista José Bello da Silva Júnior, falecido no ano anterior, com o enredo "O simples é belo e Bello sempre será - uma homenagem ao cartunista Bello". O bloco ainda nem foi para a avenida e o samba do próximo ano já está definido. "O beco no copo do mundo", também de Ricardo Barroso, é a aposta para 2014. "Já que todo mundo aqui é beberrão, e o Brasil vai sediar a Copa, não existe outro tema melhor", finaliza Eveline Toledo.
http://www.tribunademinas.com.br/carnaval-2013/quarent-o-mas-com-pique-de-20-1.1228417

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